segunda-feira, 25 de maio de 2020

EMERGÊNCIA CULTURAL


PELA APROVAÇÃO DA LEI DE EMERGÊNCIA CULTURAL

Lindivaldo Junior[i]

A denominada Lei Emergencial da Cultura, (PL 1075/2020)¹ , que entra na pauta do congresso nacional esses dias, podendo ser votado na próxima terça-feira (26/05), está se tornando um avanço para o setor cultural. O projeto de lei que visa socorrer o setor cultural num momento tão difícil da vida brasileira, propõe  apoiar os agentes que formam a cadeia produtiva da cultura e aciona recursos do Fundo Nacional de Cultura - FNC.


A força do projeto está em seu conteúdo mas principalmente na articulação do congresso em torno da pauta, e no envolvimento e mobilização do setor cultural, que tem realizado debates e web conferencia de gestores de cultura, conselheiros, e ativistas. A sociedade civil tem contribuído com o conteúdo do projeto e principalmente com o trabalho da relatora, a deputada Jandira Fegali – PC do B.

Desde o primeiro momento de discussão das PLs que apresentaram preocupação com o segmento cultural, parlamentares pernambucanos como Carlos Veras, Marília Arraes, Tadeu Alencar, Humberto Costa entre outros, estiveram acompanhando o trabalho da comissão de cultura, subscreveram a primeira versão do projeto, fortaleceram e protagonizaram propostas.

Com tão ampla articulação, a expectativa é que o PL seja aprovado com maioria. E como Projeto emergencial que prevê uma aplicação de recursos por meio dos órgãos de cultura dos estados e municípios brasileiros, temos gestores dos diversos estados envolvidos na mobilização de suas bancadas estaduais no parlamento.  Com um execução prevê o uso do recurso do FNC, na prática vai colocar para funcionar o Sistema Nacional de Cultura – SNC, negligenciado pelo governo federal.

Para Pernambuco o recurso deve ficar em aproximadamente 180 milhões, que poderá ser gasto em ajuda ao pessoas, ativos culturais e equipamentos, devendo mobilizar toda uma cadeia produtiva da cultura, fortalecer o trabalho atual e preparar o setor para um retorno pós-pandemia.

Não nos enganemos, todo esse processo não será fácil, a operacionalização da lei, a liberação dos recursos, os convênios, não serão processos simples. O governo federal, inimigo da cultura, vai fazer de tudo para não efetivar o PL. A articulação gestores da cultura, da sociedade civil, da câmara e do senado independente de partido é que vai fazer a diferença.

Atores, atrizes, cantores, mestres repentistas, percussionistas, técnicos de som, iluminadores, costureiras, artesãos, bilheteiros, produtores, diretores, bailarinos, pipoqueiros e tantos outros que fazem a cadeia produtiva da cultura tiveram seus trabalhos interrompidos, sem público, clientes e ou espaços para escoar sua produção.

A chamada cadeia produtiva da cultura é responsável por parte do Produto Interno Bruto do país, mas uma crise se abateu também sobre o setor cultural, que foi o primeiro a parar suas atividades diante do crescimento da pandemia que ameaça a vida, onde a principal forma de conter seu crescimento é a prevenção, portanto seguindo os cuidados com a higiene e a circulação de pessoas, basicamente.

Aqui em Pernambuco, onde a cultura é pulsante, onde as matrizes africanas e indígenas alimentam as produções, fortalecem auto-estima, e onde a diversidade cultural é parte do orgulho pernambucano e do discurso político, tudo está parado e o setor esquecido, a míngua.

Lideranças e mestres da cultura trabalham com muita criatividade para passar por esse memento, seguem firmes em suas ações artísticas, criativas e solidários. A Yalorixá Bete de Oxum, conselheira do Conselho Estadual de Política Cultural, é uma dessas lideranças culturais que acompanham e fazem o controle social da política cultural em Pernambuco, chama atenção e afirma: ¨Estamos trabalhando, fazendo rifa. Nosso povo pobre e preto sempre excluído, sempre foi assim e agora não é diferente né? Os que tem que ter vergonha são esses políticos que não tem compromisso.¨ (Recife, maio 2020).

A cultura é fundamental para a vida, a sociabilidade, para o fortalecimento das relações humanas e para o bem estar, tem socorrido cada um e cada uma com musica, poesia, filmes séries, contos que tem servido de alento quando os noticiários mostram pessoas sofrendo com uma doença que ainda não temos a cura, quando vizinhos, amigos, familiares adoecem e partem sem se despedir.

Mas o setor cultural também pede socorro. Quem faz cultura são trabalhadores, e não o fazem apenas pelo prazer, para manter suas tradições, sobrevivem de seus ofícios.

Neste sentido, um a setor ativo politicamente, desde que iniciou a pandemia busca o dialogo com o poder público principalmente no estado e no município. Pautando sua preocupação com os que vivem de sua arte.

O diálogo do poder público com a sociedade existe e não é de hoje, e temos mecanismos para isso. Pernambuco tem três conselhos de cultura (Conselho de Política Cultural, Conselho de Preservação do Patrimônio e o Conselho do Áudio Visual), vinculados a estrutura do governo estadual. Ali atuam agentes da sociedade civil que cobram, discutem, propõem.

Distante de fazer um diagnóstico da política cultural pernambucana, devemos refletir qual a causa de tanta demora por parte do poder público em realizar uma ação emergencial para o segmento, e qual o motivo do atraso nos pagamentos de cachês e serviços já realizados.

Pasmem mesmo conscientes do papel dos serviços culturais e da movimentação da cadeia produtiva da cultura e do turismo nesses períodos, as prefeituras de municípios como Recife, Olinda, Jaboatão e governo estadual ainda não concluíram seus pagamentos de serviços realizados no carnaval e não acenam para ações emergenciais.

#leiemergenciacultural

#aprovaeergenciacultural

Deputada Benedita da Silva - PT/RJ, Autora do projeto e Presidente da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados


[i] Lindivaldo Oliveira Leite Junior – Ativista do Movimento Negro e do Movimento Cultural, tem formação em História, pós-graduado em Política e Gestão Cultural pela UFRB e Mestrando em Estado, Governo e Políticas Públicas na FLACSOS – Faculdade Latino Americana de Políticas Sociais.


quarta-feira, 13 de maio de 2020

NÃO É DIA DE NEGRO

SERÁ QUE JÁ RAIOU A LIBERDADE

Lindivaldo Oliveira Leite Junior[i]

 

Uma das principais transformações do século XIX no Brasil foi à abolição da escravatura. Foi realmente um século de mudanças estruturais onde existiram inúmeros conflitos sócio-políticos, entre eles os que levaram a outra transformação também importante, a República.

As mudanças também foram regionais com foco do desenvolvimento, agora, mais voltado ao sudeste cafeeiro, substituindo a cana de açúcar, nordestina de economia próspera com base na mão de obra escrava. 

Desse ponto de vista a abolição da escravatura, base da economia nacional, não seria uma mudança fácil, abalaria a estrutura da sociedade e do estado Brasileiro. De um lado a população de negros, com seu interesse de mudanças concretas de suas vidas, de ouro, o capital, preocupado com a manutenção de seu lucro e de seu status.


O processo que pôs fim o trabalho escravo no Brasil não foi fácil, nem rápido, tão pouco justo. Do ponto de vista histórico, todo o século XIX foi testemunha da luta da população negra para concretizar a conquista de uma lei que pusesse definitivamente fim ao regime. Num enfrentamento cotidiano as elites, os negros tiveram papel fundamental no fim da escravidão ao empreenderem, para além das fugas e organizações dos quilombos, revoltas e movimentos urbanos e ações individuais que se caracterizaram fundamentais para o desgasto do sistema escravocrata no Brasil.

O conjunto de leis que retardaram o fim da escravidão, também serviu de argumento para a atuação dos que desejavam o fim da escravidão, negros ou não negros vinculados aos movimentos abolicionistas, a exemplo da lei que proibia o trafica de escravos (1850), da lei do ventre livre (1871) e da lei do sexagenário (1885), que respectivamente tornava ilegal a entrada de mão de obra escrava, a escravização de crianças e dos velhos.

O estado brasileiro com tais leis, além de retardar o fim de uma grave violação de direitos, colocam velhos e crianças em situação de ainda mais vulnerabilidade e beneficia na prática os proprietários e não a população negra. De qualquer forma essas mudanças legais, incluindo o fim do trafico, permitiam a compra ou os processos jurídicos que lidertaram muitos negros antes da lei áurea (1888).

Entre os inúmeros personagens negros protagonistas desse movimento de libertação digamos mais urbana, vinculados ao debate da legalidade, durante esse processo para o definitivo fim da escravidão foi um brasileiro negro chamado Luiz Gama. Morou no Rio de Janeiro, em São Paulo, livre, que se tornou advogado, conseguiu com o argumento da entrada ilegal de negros após o fim do trafico e de ouras legislações viabilizar a libertação de centenas de homens e mulheres.

Um herói nacional, Gama era filho de Luiza Mahim, uma das mulheres envolvidas nas luas liberarias do nordeste que se destacou por sua relação com os revolucionários da Revolta dos Malês na Bahia (1835).

Dito isso, evidencio o que já reafirma uma nova historiografia brasileira, que o fim da escravidão no Brasil não está apenas associado à assinatura da lei áurea nem ao feito da princesa como redentora, mas ao conjunto de influencias sociais e econômico. A luta e a organização negra para desgastar o sistema.

Não se pode deixar de reconhecer a existência da lei, quem a assinou e o governo que a publicou, também não podemos isolar do contexto. Do ponto de vista econômico, é preciso compreender também a quem beneficiou tais mudanças. Não foram aos ex escravos, a grande massa da população. Beneficiou verdadeiramente ao capital.

Todas essas leis de antes da lei áurea,  foram instrumentos capazes de dar as condições para que senhores de escravos, os grandes proprietários que tinham super lucro com a escravidão, se mantivesse sem prejuízos. E garantisse toda a estrutura de formação do novo modelo capitalista brasileiro e os seus acordos de comercio internacional.

O processo que pôs fim oficial ao trabalho escravo no Brasil, não caminhou junto com nenhum processo de inclusão da mão de obra dos trabalhadores negros ex escravos, na nova ordem capitalista que se impunha. Ao contrário, colocou nas ruas um conjunto de trabalhadores sem, indenização de seus prejuízos históricos ou de inserção na sociedade com direito a moradia, terra e trabalho.

Ao contrario, a legislação impedia negros ao acesso ao conhecimento formal, a postos de trabalho e a praticar sua cultura, criminalizada como vadiagem.

A nova ordem capitalista do fim do XIX buscava substituir a mão de obra escrava pela mão de obra assalariada, porém sem os ex-escravos. O Estado subsidiava a vinda imigrantes europeus para a nova tarefa. O Brasil compreendeu que os milhares de negros não poderiam se adaptar com o trabalho assalariado e colocou nas ruas e nas comunidades amontoados, a míngua, milhares de pessoas.

Para a população negra, restavam os trabalhos manuais, os pequenos comércios, o sub- emprego, os serviços domésticos, a rua, como continua sendo a maioria até os dias atuais. Toda essa perspectiva de exclusão da população negra é parte de uma concepção racista de inferioridade de uma raça sobre a outra, de um modelo de governar racista, patriarcal e patrimonialista.

O modelo patrimonialista implementado no Brasil com a monarquia, família real, capitanias hereditárias, títulos de nobreza, privilégios, não permitia que a consolidação da república incluísse a inclusão dessa massa de ex escravos descendentes de africanos na estrutura social.

A abolição não seria concluída no Brasil, como ainda não foi devido ao modelo de sociedade que se estruturou. A lei Àurea de 1888 tornava a população negra livre até certo ponto, uma abolição que podemos denominar inconclusa. A falta de condições básicas para seguir a vida obrigava parte significativa desses libertos, passarem a maior parte de suas vidas ainda como escravos para garantia de sua sobrevivência.

A abolição e seu processo compunha um conjunto de transformações sociais que abalaram a sociedade numa transição que se impunha novos comportamentos na forma de vestir, no comportamento público, na mudança de um modo rural de vida familiar para um modo mais urbano e moderno que em alguma medida abalava o intocável modelo patriarcal brasileiro frente a modernidade trazida pelas mudanças econômica.

Estamos no século XXI, e o Brasil não superou os efeitos perversos da escravidão e sua abolição inconclusa. Para citar um exemplo, a população negra brasileira ainda é a maioria nos serviços domésticos, uma herança do tempo em que para cada criança branca, uma ama de leite e cuidadora, hoje babás.

Para cada família, um conjunto de serviçais da casa para servir aos caprichos, manter o espaço limpo, preparar suas comidas e até prestar serviços de comercio ambulantes para seus donos em tempos de crise financeira.

Dificilmente do ponto de vista social, os herdeiros das casas grandes se acostumariam a encontrar os negros em situação diferente as quais estavam acostumados. Como serviçais, sub raça, classe inferior. O que influenciaria no modelo de desenvolvimento local, excludente, patrimonialista, patriarcal, racista do ¨lugar do negro¨, de uma exclusão naturalizada.

O patrimonialismo nesse caso brasileiro, se difere do conceito original que vem do feudalismo, onde o senhor feudal eram donos de seu patrimônio e usava desse patrimônio para o poder político. O Patrimonialismo de que tratamos hoje, se dá ao contrário, usa-se do poder político para benefícios pessoais, como se o local que governa seja seu território particular, de sua família, de seus descendentes. O capital privado com base nessa concepção se legitima para intervir nas decisões do estado.

Um patrimonialismo que se caracteriza pela confusão entre público e privado (terras, recursos, propriedades), Patriarcal, Clientelista, Hereditários. Descaso com demandas sociais e perspectiva apenas como manutenção do poder. Respeito às tradições dos donos do poder e do capital, a justiça para poucos.

Para os poucos que estão no topo da pirâmide social, as elites no poder central ou nos estados e municípios. Nesses territórios, o poder dos donos de terra, as oligarquias locais se mantiveram influenciando ou comandando o poder político para garantia de seu status-ko e de seus privilégios. No Brasil, práticas patrimonialista alicerçaram as relações de poder.

Portanto, não é exagero afirmar que a perspectiva patrimonialista do capitalismo brasileiro, permeou todo o processo de desenvolvimento do país e a política brasileira desde os governos provinciais as primeiras experiências de república.

Para fazer um salto na história e poder refletir como a concepção racista excludente da história brasileira figura como concepções atuais, podemos pontuar, o atual governo brasileiro que é fruto de um golpe político, jurídico midiático da elite, que marca o século XXI.

A subserviência ao capital, a entrega do patrimônio público brasileiro a iniciativa privada, o descaso com questões ambientais, o fortalecimento de concepções neo fascistas, o racismo e a misoginia explícitos, o enxugamento da máquina do estado,  e aperfeiçoamento de um modelo de estado Patrimonialista implementado no Brasil está representado na atualidade pelo modelo Bolsonarismo, dentro e fora do governo, disfarçados de patriotas com camisas e bandeiras verde e amarela, como se os símbolos oficiais bastassem para governar.

Tal modelo desafia a sociedade brasileira a entender as transformações políticas ocorridas nos últimos anos (demarcado pelas manifestações de 2013) e que tem produzido uma constante ameaça ao estado democrático de direito que o Brasil tanto se orgulha.

Para entender esses fenômenos carregados de um novo patrimonialismo, do fortalecimento de concepções tradicionais de família, de racismos e misoginia, é preciso revisitar a história.

Um país que nesse século viveu uma rica experiência democrática e porque não dizer de aprofundamento de sua democracia. Que tem uma legislação, via carta magna, que valoriza a participação social no parlamento e no executivo em seus diversos níveis de poder. Municipal, Estadual e Federal.

A redemocratização do estado brasileiro, promoveu um processo pulsante de envolvimento dos diversos setores, e o pós-constituinte de 1988, cem anos após a abolição da escravatura, um desafio para implementação de seus avanços em um país onde continua firme o capitalismo, o racismo e o patrimonialismo como base para as práticas de exclusão social.

É preciso revisitar a história brasileira para compreender esse momento e vislumbrar a inserção negra e uma abolição real. #13demaionaoédiadenegro.



[i]  LEITE JUNIOR, Lindivaldo. É aivista do movimento negro e do movimento cultural. Tem formação em História pela UFRPE, Especialização em Políticas Culturais pela UFRB, Atualmente estuda Maestria em Estado, Governo e Políticas Públicas pela FLACSOS.


terça-feira, 28 de abril de 2020

CULTURA COMO ESPAÇO DE PROMOÇÃO A SAÚDE 

Nesse momento de COVID-19 a cultura é um alento. É fundamental.

por Lindivaldo Junior*

Estamos vivendo tempos difíceis, às voltas de um grande problema de saúde. Uma crise mundial devido à pandemia do novo coronavírus já espalhado nos diversos continentes. Autoridades políticas, pesquisadores e profissionais da saúde têm afirmado o papel importante da sociedade para barrar o avanço da doença.

O isolamento social, paralisação de serviços não essenciais, o uso de máscara, o cuidado com idosos e pessoas mais vulneráveis têm sido a orientação até que se encontre uma solução mais eficaz ou definitiva para vencer a pandemia. Em momentos como esses, a cultura é um alento. É fundamental.

                                                      Ana Benedita, atriz e contadora de história

Estamos vivendo tempos difíceis, às voltas de um grande problema de saúde. Uma crise mundial devido à pandemia do novo coronavírus já espalhado nos diversos continentes. Autoridades políticas, pesquisadores e profissionais da saúde têm afirmado o papel importante da sociedade para barrar o avanço da doença.

O isolamento social, paralisação de serviços não essenciais, o uso de máscara, o cuidado com idosos e pessoas mais vulneráveis têm sido a orientação até que se encontre uma solução mais eficaz ou definitiva para vencer a pandemia. Em momentos como esses, a cultura é um alento. É fundamental.

Entre os serviços considerados não essenciais que foram suspensos como parte das medidas para conter o avanço da COVID-19 no nosso estado estão os clubes, teatros, casas de espetáculo, cinemas e as atividades de grupos culturais. A pandemia paralisou nosso setor cultural.

Mais que um problema econômico, a paralisação de ações desses serviços tem interferência na função primordial da cultura, o intangível. Notadamente, a sociabilidade e fortalecimento das relações sociais e laços afetivos promovidos pela cultura.

A música, a dança, a poesia, o cinema, as diversas produções e expressões culturais que atuam como forma de se conectar com as coisas boas e singulares da vida, com o sonho, as lembranças, o acolhimento, a esperança de dias melhores, são essenciais. Manter suas dinâmicas na crise se configura um desafio.

O Brasil tem orgulho de sua cultura, de sua diversidade e das políticas para o setor historicamente. No entanto, a realidade o que temos hoje é um governo federal desconectado da importância dos programas de assistência social e de saúde pública, que não promove políticas culturais, nem mantém aquelas que lutamos tanto para ver implementadas.

O governo Bolsonaro trabalha para o desmonte do patrimônio público. É subserviente ao capital, dissemina o ódio e opera um modelo familiar e patrimonialista. Sua condução política é desequilibrada, incapaz do diálogo com a sociedade e os outros poderes constituídos. Promove o sucateando de áreas fundamentais como educação e saúde, ao ponto que defende projetos de lei que inviabilizam as condições de governabilidade, como o PL do congelamento dos gastos.

Perseguidor, antidemocrático e xenófobo, Bolsonaro vê a todos que estão fora de sua base como inimigos. Mente, desrespeita organizações internacionais, defende teorias completamente equivocadas e sem reflexão profunda, não cumpre recomendações básicas da Organização Mundial de Saúde - OMS e do Ministério da Saúde. Bolsonaro e sua turma atrapalham o trabalho coletivo e a solidariedade, necessários em tempos de pandemia.

Todavia, a pressão social e política têm dado sua contribuição e ajudado o país. Pesquisas apontam que parcela significativa da população aprova e adere às orientações da OMS para o combate ao coronavírus.  Tais pressões surtiram efeito, e levaram o Congresso a aprovar ações emergenciais que reafirmam a importância do Sistema Único de Saúde – SUS e o Sistema de Assistência Social – SUAS como instituições essenciais em qualquer tempo.

As ações se somam ao conjunto de iniciativas públicas de estados e municípios comprometidos com o bem-estar social, com destaque para a articulação e compromisso dos governadores da Região Nordeste, que têm impulsionado políticas públicas de proteção da população e melhoria do acesso atendimento à saúde, na tentativa de enfrentar as deficiências do SUS.

Os programas e ações governamentais têm nos movimentos sociais - organizações, coletivos culturais e pessoas individualmente - grandes colaboradores para o cuidado com as pessoas, em especial as pessoas em situação de vulnerabilidade. Tendo em vista que o isolamento e a suspensão de algumas atividades profissionais são compreendidos como medidas para barrar o crescimento da pandemia, aprofundando os problemas de exclusão econômica e social.

Assim, ao tempo em que se pensa em ações que amenizam os impactos da crise na economia e no agravamento dos problemas sociais já existentes (desde 2017, o Brasil voltou ao mapa mundial da fome e cidades como Recife tem um terço de sua população a baixo da linha da pobreza), se faz necessário um olhar sobre o segmento cultural, sua dinâmica e real contribuição para a qualidade de vida das pessoas.

Compreender que a cultura é fonte de renda, mecanismo impulsionador de desenvolvimento econômico e social e principalmente seu papel social, talvez seja tão importante quanto às outras iniciativas para o cuidado com as pessoas em tempos de pandemia.

O isolamento social também reforçou a internet como mecanismo de disseminação da arte, aulas, palestras, bate-papo. As transmissões ao vivo pelas redes sociais, ou lives, têm transmitido mensagens de força e esperança que são importantes para amenizar o sentimento de terra arrasada, provocada tanto pela pandemia quando pelo desastre que é o governo Bolsonaro.
Mas, infelizmente, nem toda população têm acesso ao que é produzido na rede.

Temos visto que impactos para além da economia, embora toda uma cadeia produtiva da cultura com seus trabalhadores são afetados pelo fechamento de casas de espetáculos, cinemas, bares, espaços culturais, cancelamento de festivais, ciclos festivos e eventos tradicionais têm efeito, mas nas relações humanas que são fundamentais para a saúde das pessoas e das comunidades.

Mestres das tradições culturais populares, das culturas negras, indígenas, lideranças que constituem referências positivas para a história do país e, sobretudo para as suas comunidades e povos, personagens das festas tradicionais populares como rainhas de maracatu, mestres de apito, caboclos, que no seu cotidiano constituem referencia positiva e atuam como lideranças em seus territórios. Suas ações são fundamentais para a promoção da vida.
Elas são Madrinhas, benzedeiras, parteiras, doulas, mães e pais de santo, dirigentes de grupos e associações que precisam ser valorizados e fortalecidos nesse contexto que vivemos.

Tais lideranças, não esperam pelo poder público para exercer seu papel acolhedor, orientador e solidário, expressando o que tem de mais profundo no que se refere à saúde integral do indivíduo, que não acontece só em tempos de pandemia.

A sede de uma agremiação carnavalesca, os centros culturais, pontos de cultura, bem como as casas de Candomblé e Umbanda, mantenedoras de tradições culturais de matriz africana, constituem espaços de acolhimento e promoção à saúde.

O legado e a reconhecida solidez das políticas nacionais de cultura elaboradas por governos anteriores no Brasil deixaram como frutos ações locais, focadas nos estados e municípios, como a construção de seus planos setoriais de cultura de acordo com as espeficidades de cada localidade.

Essa perspectiva coloca nas políticas locais uma ponta de esperança para a valorização do setor cultural do estado e indicam que o governador e os prefeitos devem arcar com os pagamentos para os setores culturais por atividades realizadas antes da pandemia e reforçar a atuação para que a cultura cumpra seu papel no desenvolvimento social e econômico, e o seu inegável papel como espaço de cuidado com as pessoas.

É preciso pensar ações públicas emergenciais para a cultura, órgãos estaduais de cultura podem promover chamadas públicas ou editais emergenciais para fortalecer as iniciativas de grupos populares, artistas em suas iniciativas nas comunidades e também por meio das redes sociais. Esse compromisso é fundamental para reconhecer que a cultura é promotora do bem estar, da proteção integral, de promoção à saúde.
#fiqueemcasa #forabolsonaro

Recife, 23 de Abril de 2020.


*LEITE JUNIOR, Lindivaldo - Tem formação em história pela UFRPE, pós-graduado em Gestão e Políticas Culturais pela UFRB, Mestrando em Governo e Políticas Públicas pela FLACSOS
REFERÊNCIAS
SOUZA, Jessé. A Elite do Atraso. GMT Editores Ltda. Rio de Janeiro, 2019.
RUBIM, Albino. Política Cultural e Gestão Pública no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2016.
MORAES, Regina.As metas do Plano Nacional de Cultura. Brasília: Ministério da Cultura, 2003.

sábado, 21 de janeiro de 2017

Combate a Intolerância Religiosa.



21 DE JANEIRO - DIA NACIONAL DE COMBATE A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA
A cada dia temos notícias de atos de depredação, agressões, violências das mais diversas manifestações e nos chocamos como isso ainda acontece. O que nos lembra – a cada minuto – que nossa energia que transforma, nosso Axé, precisa estar forte sempre, como Mãe Gilda nos ensinava em seus gestos, palavras e atitudes, dentro e fora do Ilê.
Foi com essa base que nós continuamos seu legado e, hoje, o temos como marco de Lei (11.635) na luta contra a intolerância religiosa, celebrada a cada dia 21 de janeiro, mas vivida todos os dias. Teremos o Busto de Mãe Gilda no bairro onde esta luta ganhou força, há 14 anos, uma conquista de todos os Terreiros, de todo povo de Axé. Que a virada de Tempo nos leve a caminhos muito mais seguros e confiantes de que temos história e temos origem; temos berço e temos luz. Somos de Axé, somos de Candomblé.

Jacira Ribeiro – Yalorixá do Abassá de Ogum, herdeira do legado de Mãe Gilda.


Já são Dez Anos do Dia Nacional de Combate a Intolerância Religiosa. Salve Mãe Gilda – Tobo Ginã, e todas as guerreiras que lutaram e lutam contra o racismo e a Intolerância Religiosa.
Ao celebrar a data, é fundamental compreender que a intolerância religiosa contra as religiões de matriz africana é uma expressão do racismo brasileiro. O Racismo se manifesta, na escola, no trabalho, nas organizações sociais, nos órgãos públicos e privados. Se manifesta através de gestos, palavras, expressões do cotidiano e comportamentos que buscam inferiorizar as pessoas negras, sua história, suas origens e suas expressões culturais e religiosas trazidas pelos africanos para o Brasil e para toda a diáspora. Portanto, combater a intolerância religiosa contra as religiões de matriz africana não pode ser dissociada de combater o racismo.
Dia Nacional de Combate a Intolerância Religiosa, data que faz parte do calendário oficial brasileiro, foi instituída em 2007 pelo decreto federal 11.666 em referência ao dia do falecimento de Mãe Gilda de Ogum ocorrido em Salvador – Bahia, no 21 de janeiro de 2000.
A Sacerdotisa, que figurava como uma militante das causas sociais, faleceu em função de sua imagem ter sido maculada no jornal da Igreja Universal do Reino de Deus na Bahia e sua casa invadida por um grupo de evangélicos fundamentalistas que bateram em sua cabeça com a bíblia e a acusaram de charlatã. Na ocasião, a trise notícia do falecimento de Mãe Gilda, causou revolta e indignação por parte de todo o povo de candomblé, e sua filha a Yalorixá Jaciara Ribeiro, articulada aos movimentos sociais buscou transformar a dor da perda em força para uma luta coletiva em defesa do povo de candomblé, contra o racismo e a intolerância religiosa.
Assim, o engajamento coletivo e a luta por reparação a imagem maculada da sacerdotisa, transformou-se em símbolo nacional. Porém, as Celebrações do dia nacional de combate a intolerância religiosa, não significou trégua por parte dos fundamentalistas e racistas em relação as comunidades religiosas de matriz africana, o candomblé. A data, vem colaborando para encorajamento de muitos adeptos, sacerdotes e sacerdotisas de casas de candomblé, para que fiquem atentos e lutem pelo seu direito de cultuar suas divindades e manter viva suas tradições. Espalharam-se as caminhadas, debates e atos de protestos contra o racismo e a intolerância religiosa em diversas cidades brasileiras.
Infelizmente, o caso de mãe Gilda está longe de ser um caso isolado, tão pouco os alertas da data fizeram com que não houvessem outros casos de maior ou menor repercussão, porém todos muito significativos e violentos. Dos casos de intolerância religiosa que chegam a ouvidoria da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, em 2016 o número de denúncias de violência a religiões de matriz africana aumentou pouco mais de 60%. Não sabemos o desdobramento de tais denúncias, o fato é que é necessário permanecer lutando.


Um apelo ao diálogo inter-religioso para vencer a Intolerância do Cotidiano
Ao vestir a cor de seu orixá no dia votivo ao ¨santo¨, reafirma-se a identidade e respeito a divindade sagrada, seu orixá. Podendo se no azul, amarelo, vermelho, e tantas outras. Vestir o branco na sexta feira por exemplo tem sido bem comum, porém, essa forma de homenagear Oxalá (orixá ligado a criação e identificado como grande pai no candomblé) provoca reações diversas com chacotas e violência. 
As vítimas desse preconceito aparentemente a partir da estética afirmativa do candomblé, acontecem de várias formas e com pessoas de qualquer idade, porém são perversas a discriminação com as crianças que fazem pare do culto aos orixás. 
O turbante, a conta no pescoço, as palhas da costa amarradas nos braços (contra-egun), são pequenos símbolos sagrados de um fiel dedicado e respeitoso com sua fé e tradição, que já poderiam fazer parte da vida da sociedade e sem espantos, já que esses símbolos existem no Brasil a mais de quinhentos anos e fazem parte de um cotidiano religioso tal como o crucifixo e os rosários dos católicos. 

No Rio de Janeiro, junho de 2015 uma menina de 12 anos foi agredida com uma pedrada na cabeça, e no DF terreiros incendiados. Até quando?


Em Pernambuco, onde existem políticas públicas para o enfrentamento ao racismo e promoção da igualdade racial, através do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial e conselhos Municipais, secretarias, gerências e coordenadorias de políticas de promoção da igualdade racial em órgãos do estado e do município. 
E Apesar da existência de Grupos de Trabalho de combate ao racismo no Ministério Público Estadual e nas Polícias Civil e Militar. Não temos notícias dos desdobramentos e resolução das denúncias feitas por diversas casas e pessoas de comunidades de matriz africana agredidos ao longo dos últimos anos.
Onde se conclui que ainda a muito o que se avançar nas políticas públicas. E muito que se valorizar segmentos importantes como a Rede de Mulheres de Terreiros de Pernambuco, O Centro Cultural Malunguinho, A Caminhada dos Terreiros de Pernambuco, O Movimento Negro Unificado, a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e tantos outros lutadores e lutadoras. No âmbito nacional o Coletivo de Entidades Negras – CEN, o CENARAB, A Rede Nacional de Religiões Afro Brasileiras e Saúde - RENAFRO.


O Racismo
No Brasil, pais de dimensões continentais e de gritantes desigualdades raciais e sociais, ultimo pais a abolir a escravidão, o Racismo é considerado crime. Esse marco legal, só foi possível devido à grande articulação e mobilização do movimento social negro e suas parcerias com outras organizações da sociedade civil. A lei foi instituída em 1989, e lei ficou conhecida como lei Caó, em alusão ao deputado que a apresentou.
Além da lei Caó, outras ferramentas e marcos legais foram instituídos no Brasil, com o intuito de enfrentar as desigualdades produzidas pelo racismo, a exemplo da constituição de federal que, entre outras conquistas, reconhece as comunidades remanescentes de quilombos e o patrimônio cultural afro brasileiro.
Apesar das iniciativas legais, a de se reconhecer que os séculos de escravidão brasileira, e os regimes subsequentes de que promoveram a repressão e as desigualdades, produziu um país em que a pessoa negra é inferiorizada, marginalizada e criminalizada, assim como as tradições culturais de matriz trazida pelos povos africanos também as são. A concepção racista, presente e alicerçada na sociedade produz um sistema de violência e criminalização da população negra e de sua cultura, produz a necessidade de uma atuação constante, vigilante e sistemática de enfrentamento as várias manifestações do racismo.
A perspectiva de inferiorização, marginalização da população negra, e a consequente desigualdade é caracterizada como racismo e se traduz numa violência cotidiana, através da discriminação no trabalho, nos estabelecimentos de ensino, nas ruas na família. 
Desde sua criação no meio urbano, o movimento negro brasileiro, vem chamando atenção do estado brasileiro, acerca das várias formas de manifestação do racismo, tanto do ponto de vista simbólico, do racismo institucional, como na manifestação mais desafiadora, a violência física e letal que acomete a população negras. Tal forma de expressão do racismo, a violência física e letal tem chamado atenção da sociedade e produzido um conjunto de dados que leva a compreender em especial a difícil realidade vivida por jovens homens negros e pelas mulheres negras no Brasil.
Na capital pernambucana, a violência afeta de maneira mais intensa a população negra, com destaque para as mulheres e os jovens. Tal situação de violência e mortalidade está presente no território pernambucano. De acordo com o Mapa da Violência 2015 – Homicídios de Mulheres no Brasil, Pernambuco reduziu em 15,6% os assassinatos de mulheres entre 2003 e 2013, mas, em contrapartida, registrou aumento de 29,8% nos homicídios de mulheres negras no mesmo período. Já em relação aos jovens, o Mapa da Violência 2016 registra que, em Pernambuco, a taxa de homicídios por armas de fogo (HAF) é de 35,6 entre pessoas negras e de 9,1 entre pessoas brancas. 
O estado de Pernambuco, segundo dados do IBGE, tem uma população de aproximadamente 62% de negros, considerando a soma de pretos e pardos. Preocupa a vulnerabilidade a que se encontra tal população que segundo estudos do IVJ apresentado pelo professor Julio Jacob. O estado está entre os que a juventude negra tem maior risco de morrer por armas de fogo, fica em terceiro lugar, somando-se aos estados de Alagoas, o primeiro e Paraíba, o segundo. 
Compreende-se então a necessidade da instituição de políticas públicas de enfrentamento ao racismo e a violência racial. Uma atuação articulada entre as instituições do poder público, em especial o sistema de segurança, de polícia e de garantia de direitos. Na concretização da rede de enfrentamento ao racismo que promova um sistema de atenção e enfrentamento ao racismo.






Para saber mais e para denunciar:
Direitos Humanos - Disque 100
Emergência Policial - Disque 190
GT Racismo do Ministério Público de Pernambuco – (81) 3303.1249
Ouvidoria Social do Estado – 0800-081-4421
Sobre o aumento dos casos de intolerância religiosa http://www.sul21.com.br/jornal/quase-mil-casos-de-intolerancia-religiosa-foram-registrados-no-rio-em-dois-anos/
http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vida-urbana/2016/10/17/interna_vidaurbana,670422/direito-de-ir-vir-e-seguir-suas-crencas-sem-desrespeito.shtml
Intolerância no Mundo http://www.acn.org.br/relatorioliberdadereligiosa
Sobre o Plano Setorial de Cultura Afro Brasileira http://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/2014/04/Caderno-de-Di%C3%A1logo-Plano-Setorial-para-a-Cultura-Afro-brasileira.pdf

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Águas de Oxalá



ÁGUAS DE OXALÁ

Há 38 anos o Babalorixá Raminho de Oxossi realiza a procissão das águas na cidade de Olinda/PE. Tradicionalmente ocorrida no segundo domingo de janeiro, a festa que iniciou com os filhos da casa do Babalorixá (Roça Gêge Oxossi Iboalama – Oxum Opará). Hoje tomou uma proporção gigantesca, assumindo papel fundamental na realização das prévias carnavalescas da cidade. É comum ouvimos a frase - quem conhece Olinda sabe que as prévias de carnaval só começam após as Águas de Oxalá.

O Babalorixá Raminho de Oxossi, 81 anos de vida, quase toda dedicada ao sacerdócio, afirma que se inspirou na festa da lavagem do Bonfim, na Bahia, para realizar as Águas de Oxalá em Recife. “Eu fui pra Bahia, vi as águas e quando cheguei aqui fiz uma aqui”. Ele conta que as Águas é um momento de muito respeito e religiosidade.

As comemorações para Oxalá iniciam com rituais no Candomblé, depois faz sua segunda etapa na frente da igreja do Senhor do Bonfim, em Olinda, onde são lavadas as escadarias e segue em cortejo para terminar com canto aos Orixás no Candomblé.

Devido a reformas na igreja, o ritual da lavagem em 2017 aconteceu na calçada da Igreja da Sé, seguido de louvações nas igrejas do Bom Fim e do Guadalupe.

Sylvio Botelho, um artista e bonequeiro de grande respeito no meio cultural, descreveu o sentimento na sua página do Facebook o sentimento de participar das Águas de Oxalá.

Ir às Águas de Oxalá não é só um sinal de fé e devoção, é a forma que o cidadão tem de apoiar e promover as bases de um estado livre de preconceitos e fundamentado na liberdade religiosa. A prática do respeito ao próximo pode ser alcançado por qualquer pessoa, de qualquer credo e região”. 

Para o artista, que também é um dos organizadores do evento, a procissão é uma forma da população de adeptos de candomblé enfrentar o preconceito, a intolerância e o racismo praticado contra as expressões culturais e religiosas de matriz africana no Brasil, e como tal, as Águas de Oxalá é um espaço de resistência.

Nos últimos anos, as Águas de Oxalá é noticiada nos meios de comunicação oficiais da cidade, onde a Prefeitura demonstra seu apoio a atividade como um marco na história e cultura olindense. Sempre é garantida a interdição de rua, além do apoio da Guarda Civil, para organizar o transito, iluminação de rua, etc. Porém, a continuidade da parceria com o poder público pode estar ameaçada já que Olinda não tem um calendário oficial cultural próprio, o que consideramos uma lacuna no tão bem discutido Plano Municipal de Cultura de Olinda.

A inexistência de um calendário que contemple as festas tradicionais da resistência negra na cidade, não está dissociada da problemática enfrenada por segmentos populares e afrodescendentes de outras cidades brasileiras. Tal realidade refere-se diretamente a falta de uma política pública para a cultura afrobrasileira, uma política estruturada como ação de estado que possa dar conta de reconhecimento histórico, cultural e que se traduza, sobretudo, em recursos financeiros do poder público para manutenção, estrutura e divulgação do calendário cultural afrobrasileiro e que garanta uma ação de salvaguarda dos bens culturais afrobrasileiros para além do carnaval.
Considerando a necessidade de políticas públicas estruturadoras para a área da cultura, a cidade de Olinda é signatária do Plano Nacional de Cultura, um norteador das políticas públicas de cultura para o país. Identificamos aí um desafio para a nova gestão cultural da cidade de Olinda: implementá-lo.
Ao criar o Plano Municipal, a cidade avançou rumo a uma política pública de cultura e buscou alinhar-se aos eixos e princípios do Plano Nacional, porém é necessário trabalhar áreas específicas para dar concretude e eficácia ao Plano.
No campo do patrimônio cultural afrobrasileiro, o Plano Setorial de Cultura Afro Brasileira, elaborado pelo Colegiado do Conselho Nacional de Políticas Culturais, é o documento que orienta as políticas para o segmento. Seu lançamento e adesão pelo município é fundamental para a manutenção de tradições culturais e de marcos históricos como as Águas de Oxalá, os Tambores Silenciosos, Noite do Cabelo Pixaim, Sambadas de Coco, de Maracatu e tantos outros movimentos de tradição cultural negra de Olinda.
 “Os olhos do Brasil e pessoas de várias partes do mundo se voltam para Olinda durante o Carnaval. É uma forma de entrar com o espírito renovado na festa que se avizinha”, Gilberto Sobral – Secretário Executivo de Cultura de Olinda, ao se referir as Águas de Oxalá.




NA TRADIÇÃO

As Águas de Oxalá é um ritual do povo de candomblé que faz uma homenagem à divindade africana Oxalá (Oxalufã), como uma reparação a injustiça sofrida por ele em uma visita a seu filho Xangô. Conta o Itã (história) que certa vez chegando Oxalufã a cidade de Oyó, encontrou perdido o cavalo que havia presenteado a Xangô, que tentou amansar o animal para devolvê-lo. Foi quando chegaram os soldados do Rei a procura do animal perdido. Vendo Oxalufã com o cavalo, pensaram tratar-se de um ladrão.

Maltratado e preso durante um tempo, Oxalufã resolveu usar seus poderes e vingar-se do povo de Oyó. Assim, o reino viveu sete anos de seca e suas mulheres se tornaram estéreis.

Xangô consultou o babalaô da corte e soube que um velho sofria injustiça e prisão, pagando por um crime que não havia cometido. Quando Xangô chegou na prisão, para sua surpresa o velho era Oxalufã.

Xangô ordenou que trouxessem água limpa do rio para banhar o velho e roupas limpas, ordenou que todos os súditos vestissem branco e permanecessem em silencio em homenagem a Oxalufã, carregou o velho nas costas e fez festas em homenagem ao Orixá.
E todos vestidos de branco saudaram Oxalufã.







E PORQUE LAVAR A IGREJA
Ao longo da história da população negra no Brasil, as expressões culturais e religiosas de matriz africana, sofreram repressão e perseguição por parte do Estado brasileiro, o que levou a uma atuação “clandestina” dos adeptos do culto aos Orixás e ao sincretismo religioso. Também foram promovidos diálogos e movimentos de resistência peça população negra, bem como de proteção aos cultos afros, por meio de irmandades religiosas católicas e festas como a lavagem das escadarias da igreja do Senhor do Bonfim, santo católico que foi sincretizado com Oxalá devido a sua relação como protetor do mundo, semelhante a Oxalá – Orixá da criação.

Com as Águas de Oxalá e o conjunto de significados em torno da festa em Olinda, fica fácil entender quando o Babalorixá Raminho de Oxossi fala quee Somos Mais que uma religião.
Axé.




Sobre o plano municipal de cultura de Olinda http://www.olinda.pe.gov.br/pmc/eixos-tematicos/


sexta-feira, 25 de novembro de 2016

ENTENDA A NOITE DO CABELO PIXAIM

Carapinha, Afro, Cacheado, Crespo. Eu prefiro dizer Pixaim mesmo, 




Criada na década de noventa em Olinda - PE, a Noite do Cabelo Pixaim reverencia o cabelo do negro, o relaciona a identidade, a afirmação da cultura e a valorização de uma estética e beleza próprias da população negra.

Na década de noventa, em Pernambuco, uma juventude negra antenada e consciente do seu papel no combate ao racismo, fez dos palcos dos ensaios e festas do Afoxé Alafin Oyó seu lugar de militância social e política, criando festas como a Noite do Cabelo Pixaim, a Noite do Cafuné, entre outras.



Essa militância promoveu um intenso debate sobre as várias manifestações do racismo, se utilizando da criatividade das expressões culturais negras como forma de expandir suas mensagens e seus discursos. Com a Noite do cabelo Pixaim, trouxe à cena um elemento fundamental na luta pela afirmação da estética e beleza negra: o cabelo crespo.
Falar sobre e mostrar o cabelo crespo é decisivo para o debate, já que esse é o principal alvo da discriminação e do preconceito. E isso se torna ainda mais perverso para crianças e mulheres, que são oprimidas pela ditadura do cabelo liso e da estética branca, o que prejudica a vida social e familiar.

Atualmente, e a partir de uma maior presença negra nas universidades e entre os pesquisadores, os estudos sobre cabelo e estética negras nos ajuda a entender um pouco desse complexo universo de exclusão e inferiorização da população negra, por meio da negação do corpo negro, em especial do cabelo.   Por outro lado, também torna possível acompanhar a exaltação ao universo da criatividade e resistência negra identitária, por meio de penteados afro, cortes específicos, salões e movimentos afirmativos, que compreendem o cabelo numa perspectiva de identidade.

Em torno da manipulação do corpo
e do cabelo do negro,
existe uma vasta história.
Uma história ancestral e uma memória.
(Dra. Nilma Lino Gomes – Professora e Pesquisadora - UFMG)


Noite do Cabelo Pixaim

Como parte de um movimento que teve início na década 90 amanhã, sábado, 26 de Novembro, o Clube Atlântico de Olinda, recebe a edição anual da Noite do Cabelo Pixaim. Esse é mais um momento de exaltação à estética, beleza e cultura negra. É mais um dia de resistência. Prepare-se, não esconda seu cabelo, solte sua “juba”, explore a criatividade dos cortes, trançados e penteados afro e vá!!!
Já chegue cantando uma das músicas do cardápio do Afoxé Alafin e reafirme sua identidade!
A festa é regada a muita música percussiva, culinária afro, arte e moda, onde também acontece o 10º Festival de Música do Alafin, que vai escolher a música do Carnaval 2017. Na programação - Afoxé Alafin Oyó, Filhos de Dona Maria do DF, Lamento Negro, NK Cumbia, culinária afro, desfile de roupas e cabelos.


Raça Negra, uma questão de identidade,
Cabelo Pixaim, cor da pele preta,
Meu amigo não tenha dúvida,
Você é da raça negra.
Raça negra, uma questão de Identidade



Afoxé Alafin Oyó

Ávidos por uma atuação independente, por debater temas, fazer formação política e denunciar as várias formas de expressão do racismo brasileiro, um grupo de jovens militantes do movimento negro pernambucano, que compunham a Ala de Xangô do Afoxé Ará Odé, grupo também de cidade de Olinda, criou o seu próprio afoxé: o Afafin Oyó.
A manifestação cultural é, em primeiro lugar, uma agremiação carnavalesca, que atua em cortejo, levando a frente seu estandarte e carregando seus símbolos. Tem sua versão para o palco, apresentando-se como uma atração artística de música e de dança, bem como para as atividades ligadas a religiosidade, vivendo um constante desafio para não perder suas características e tradições culturais.
O ritmo do Ijexá, tocado nas casas de Candomblé, guardam suas semelhanças e identidades dos terreiros, com instrumentos como atabaque (Rum, Rumpi e o Lé), o agogô, o tantam e o agbê como base fundamental da sonoridade Nagô Yorubá.
Os cânticos fazem referência aos orikis (histórias) dos Orixás (divindades das tradições afro religiosa), a suas cores e arquétipos e a estética exalta as nações de Candomblé, as quais estão vinculadas a afirmação de uma identidade negra característica do seu território físico e sagrado, e do contexto em que o afoxé surge.

Tradicionalmente, cada afoxé teu seu Orixá como patrono, que estão representados em suas cores, adereços e vestimentas. O exemplo primeiro, pelo menos até onde se sabe, é o Afoxé Filhos de Gadhi da Bahia, que embora não carregue no seu nome do Orixá patrono, o faz nas cores e nas músicas, em referência e homenagem explicita a Oxalá. Sem medo da repressão, do preconceito e da intolerância, vestem branco, soltam pombos e reafirma a cor da divindade funfum.

Em Pernambuco, e pode ser assim no conjunto dos afoxés existente em outros estados brasileiros, os grupos seguem a tradição refletida primeiramente no nome. O Afoxé Ará Odé, o mais antigo em atividade no estado, tem o Orixá Oxossi (ou Odé) como patrono, veste-se as cores azul claro e branco. O Afoxé Oxum Pandá – tem Oxum como patronesse, usam o amarelo.  O Alafin Oyó – que tem o Orixá Xangô como patrono, veste vermelho e branco.

Os demais afoxés, mais de vinte grupos em Pernambuco, seguem essa tradição que nos ajuda a identificar o patrono do afoxé pela cor. Vermelho – Xangô, Azul – Ogum, Rosa ou Marrom – Oyá, e as homenagens seguem, regra geral, refletida nas cores e símbolos de seus orixás patronos.


CABELO

O legado da luta do movimento negro brasileiro, toda a sua movimentação, estudos e protestos em torno do cabelo como identidade fez surgir, não só a noite do Cabelo Pixaim, mas um conjunto de outras festas, atos, debates, empreendimentos comerciais e movimentos que exaltam e também discutem a afirmação da identidade negra por meio do cabelo. Um exemplo é Movimento Cabelaço em Pernambuco e da Marcha do Empoderamento Crespo na Bahia, entre outros.

Fez também surgir uma movimentação que pode ser identificada como a moda ou tendência do cabelo crespo, afro ou black. O certo é que, moda ou não, essa explosão de cabelos negros que encontramos hoje pelas ruas é sim uma forma de rebeldia e afirmação de identidade negra para enfrentar o racismo presente no cotidiano, se mostrar insurgente e empreender uma marca positiva.

É pura ousadia, numa sociedade racista que atribui e aplica estereótipos negativos ao cabelo pixaim, o adjetivando como “ruim”, “duro”, “bombril”.
Nós os negros sabemos o quanto um jovem, uma jovem que assumem seu cabelo “ao natural”, se sente forte, reconhecido, e por meio do cabelo, promovem um exercício cotidiano e corpóreo de cidadania.

O Cabelo é um dos elementos mais visíveis e destacados do corpo. Em todo grupo étnico ele é tratado e manipulado, todavia a sua simbologia difere de cultura para a cultura. Esse caráter universal e particular do cabelo atesta a sua importância como símbolo indenitário. (Procure ler - Dra. Nilma Lino Gomes – Professora e Pesquisadora da UFMG)

PARA DISCUTIR O TEMA RECOMENDA-SE:
Exposição – Cabelo, uma questão de identidade


Site – Geledés, instituto da mulher negra

Professora Doutora Nilma Lino Gomes – UFMG