sábado, 21 de janeiro de 2017

Combate a Intolerância Religiosa.



21 DE JANEIRO - DIA NACIONAL DE COMBATE A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA
A cada dia temos notícias de atos de depredação, agressões, violências das mais diversas manifestações e nos chocamos como isso ainda acontece. O que nos lembra – a cada minuto – que nossa energia que transforma, nosso Axé, precisa estar forte sempre, como Mãe Gilda nos ensinava em seus gestos, palavras e atitudes, dentro e fora do Ilê.
Foi com essa base que nós continuamos seu legado e, hoje, o temos como marco de Lei (11.635) na luta contra a intolerância religiosa, celebrada a cada dia 21 de janeiro, mas vivida todos os dias. Teremos o Busto de Mãe Gilda no bairro onde esta luta ganhou força, há 14 anos, uma conquista de todos os Terreiros, de todo povo de Axé. Que a virada de Tempo nos leve a caminhos muito mais seguros e confiantes de que temos história e temos origem; temos berço e temos luz. Somos de Axé, somos de Candomblé.

Jacira Ribeiro – Yalorixá do Abassá de Ogum, herdeira do legado de Mãe Gilda.


Já são Dez Anos do Dia Nacional de Combate a Intolerância Religiosa. Salve Mãe Gilda – Tobo Ginã, e todas as guerreiras que lutaram e lutam contra o racismo e a Intolerância Religiosa.
Ao celebrar a data, é fundamental compreender que a intolerância religiosa contra as religiões de matriz africana é uma expressão do racismo brasileiro. O Racismo se manifesta, na escola, no trabalho, nas organizações sociais, nos órgãos públicos e privados. Se manifesta através de gestos, palavras, expressões do cotidiano e comportamentos que buscam inferiorizar as pessoas negras, sua história, suas origens e suas expressões culturais e religiosas trazidas pelos africanos para o Brasil e para toda a diáspora. Portanto, combater a intolerância religiosa contra as religiões de matriz africana não pode ser dissociada de combater o racismo.
Dia Nacional de Combate a Intolerância Religiosa, data que faz parte do calendário oficial brasileiro, foi instituída em 2007 pelo decreto federal 11.666 em referência ao dia do falecimento de Mãe Gilda de Ogum ocorrido em Salvador – Bahia, no 21 de janeiro de 2000.
A Sacerdotisa, que figurava como uma militante das causas sociais, faleceu em função de sua imagem ter sido maculada no jornal da Igreja Universal do Reino de Deus na Bahia e sua casa invadida por um grupo de evangélicos fundamentalistas que bateram em sua cabeça com a bíblia e a acusaram de charlatã. Na ocasião, a trise notícia do falecimento de Mãe Gilda, causou revolta e indignação por parte de todo o povo de candomblé, e sua filha a Yalorixá Jaciara Ribeiro, articulada aos movimentos sociais buscou transformar a dor da perda em força para uma luta coletiva em defesa do povo de candomblé, contra o racismo e a intolerância religiosa.
Assim, o engajamento coletivo e a luta por reparação a imagem maculada da sacerdotisa, transformou-se em símbolo nacional. Porém, as Celebrações do dia nacional de combate a intolerância religiosa, não significou trégua por parte dos fundamentalistas e racistas em relação as comunidades religiosas de matriz africana, o candomblé. A data, vem colaborando para encorajamento de muitos adeptos, sacerdotes e sacerdotisas de casas de candomblé, para que fiquem atentos e lutem pelo seu direito de cultuar suas divindades e manter viva suas tradições. Espalharam-se as caminhadas, debates e atos de protestos contra o racismo e a intolerância religiosa em diversas cidades brasileiras.
Infelizmente, o caso de mãe Gilda está longe de ser um caso isolado, tão pouco os alertas da data fizeram com que não houvessem outros casos de maior ou menor repercussão, porém todos muito significativos e violentos. Dos casos de intolerância religiosa que chegam a ouvidoria da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, em 2016 o número de denúncias de violência a religiões de matriz africana aumentou pouco mais de 60%. Não sabemos o desdobramento de tais denúncias, o fato é que é necessário permanecer lutando.


Um apelo ao diálogo inter-religioso para vencer a Intolerância do Cotidiano
Ao vestir a cor de seu orixá no dia votivo ao ¨santo¨, reafirma-se a identidade e respeito a divindade sagrada, seu orixá. Podendo se no azul, amarelo, vermelho, e tantas outras. Vestir o branco na sexta feira por exemplo tem sido bem comum, porém, essa forma de homenagear Oxalá (orixá ligado a criação e identificado como grande pai no candomblé) provoca reações diversas com chacotas e violência. 
As vítimas desse preconceito aparentemente a partir da estética afirmativa do candomblé, acontecem de várias formas e com pessoas de qualquer idade, porém são perversas a discriminação com as crianças que fazem pare do culto aos orixás. 
O turbante, a conta no pescoço, as palhas da costa amarradas nos braços (contra-egun), são pequenos símbolos sagrados de um fiel dedicado e respeitoso com sua fé e tradição, que já poderiam fazer parte da vida da sociedade e sem espantos, já que esses símbolos existem no Brasil a mais de quinhentos anos e fazem parte de um cotidiano religioso tal como o crucifixo e os rosários dos católicos. 

No Rio de Janeiro, junho de 2015 uma menina de 12 anos foi agredida com uma pedrada na cabeça, e no DF terreiros incendiados. Até quando?


Em Pernambuco, onde existem políticas públicas para o enfrentamento ao racismo e promoção da igualdade racial, através do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial e conselhos Municipais, secretarias, gerências e coordenadorias de políticas de promoção da igualdade racial em órgãos do estado e do município. 
E Apesar da existência de Grupos de Trabalho de combate ao racismo no Ministério Público Estadual e nas Polícias Civil e Militar. Não temos notícias dos desdobramentos e resolução das denúncias feitas por diversas casas e pessoas de comunidades de matriz africana agredidos ao longo dos últimos anos.
Onde se conclui que ainda a muito o que se avançar nas políticas públicas. E muito que se valorizar segmentos importantes como a Rede de Mulheres de Terreiros de Pernambuco, O Centro Cultural Malunguinho, A Caminhada dos Terreiros de Pernambuco, O Movimento Negro Unificado, a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e tantos outros lutadores e lutadoras. No âmbito nacional o Coletivo de Entidades Negras – CEN, o CENARAB, A Rede Nacional de Religiões Afro Brasileiras e Saúde - RENAFRO.


O Racismo
No Brasil, pais de dimensões continentais e de gritantes desigualdades raciais e sociais, ultimo pais a abolir a escravidão, o Racismo é considerado crime. Esse marco legal, só foi possível devido à grande articulação e mobilização do movimento social negro e suas parcerias com outras organizações da sociedade civil. A lei foi instituída em 1989, e lei ficou conhecida como lei Caó, em alusão ao deputado que a apresentou.
Além da lei Caó, outras ferramentas e marcos legais foram instituídos no Brasil, com o intuito de enfrentar as desigualdades produzidas pelo racismo, a exemplo da constituição de federal que, entre outras conquistas, reconhece as comunidades remanescentes de quilombos e o patrimônio cultural afro brasileiro.
Apesar das iniciativas legais, a de se reconhecer que os séculos de escravidão brasileira, e os regimes subsequentes de que promoveram a repressão e as desigualdades, produziu um país em que a pessoa negra é inferiorizada, marginalizada e criminalizada, assim como as tradições culturais de matriz trazida pelos povos africanos também as são. A concepção racista, presente e alicerçada na sociedade produz um sistema de violência e criminalização da população negra e de sua cultura, produz a necessidade de uma atuação constante, vigilante e sistemática de enfrentamento as várias manifestações do racismo.
A perspectiva de inferiorização, marginalização da população negra, e a consequente desigualdade é caracterizada como racismo e se traduz numa violência cotidiana, através da discriminação no trabalho, nos estabelecimentos de ensino, nas ruas na família. 
Desde sua criação no meio urbano, o movimento negro brasileiro, vem chamando atenção do estado brasileiro, acerca das várias formas de manifestação do racismo, tanto do ponto de vista simbólico, do racismo institucional, como na manifestação mais desafiadora, a violência física e letal que acomete a população negras. Tal forma de expressão do racismo, a violência física e letal tem chamado atenção da sociedade e produzido um conjunto de dados que leva a compreender em especial a difícil realidade vivida por jovens homens negros e pelas mulheres negras no Brasil.
Na capital pernambucana, a violência afeta de maneira mais intensa a população negra, com destaque para as mulheres e os jovens. Tal situação de violência e mortalidade está presente no território pernambucano. De acordo com o Mapa da Violência 2015 – Homicídios de Mulheres no Brasil, Pernambuco reduziu em 15,6% os assassinatos de mulheres entre 2003 e 2013, mas, em contrapartida, registrou aumento de 29,8% nos homicídios de mulheres negras no mesmo período. Já em relação aos jovens, o Mapa da Violência 2016 registra que, em Pernambuco, a taxa de homicídios por armas de fogo (HAF) é de 35,6 entre pessoas negras e de 9,1 entre pessoas brancas. 
O estado de Pernambuco, segundo dados do IBGE, tem uma população de aproximadamente 62% de negros, considerando a soma de pretos e pardos. Preocupa a vulnerabilidade a que se encontra tal população que segundo estudos do IVJ apresentado pelo professor Julio Jacob. O estado está entre os que a juventude negra tem maior risco de morrer por armas de fogo, fica em terceiro lugar, somando-se aos estados de Alagoas, o primeiro e Paraíba, o segundo. 
Compreende-se então a necessidade da instituição de políticas públicas de enfrentamento ao racismo e a violência racial. Uma atuação articulada entre as instituições do poder público, em especial o sistema de segurança, de polícia e de garantia de direitos. Na concretização da rede de enfrentamento ao racismo que promova um sistema de atenção e enfrentamento ao racismo.






Para saber mais e para denunciar:
Direitos Humanos - Disque 100
Emergência Policial - Disque 190
GT Racismo do Ministério Público de Pernambuco – (81) 3303.1249
Ouvidoria Social do Estado – 0800-081-4421
Sobre o aumento dos casos de intolerância religiosa http://www.sul21.com.br/jornal/quase-mil-casos-de-intolerancia-religiosa-foram-registrados-no-rio-em-dois-anos/
http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vida-urbana/2016/10/17/interna_vidaurbana,670422/direito-de-ir-vir-e-seguir-suas-crencas-sem-desrespeito.shtml
Intolerância no Mundo http://www.acn.org.br/relatorioliberdadereligiosa
Sobre o Plano Setorial de Cultura Afro Brasileira http://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/2014/04/Caderno-de-Di%C3%A1logo-Plano-Setorial-para-a-Cultura-Afro-brasileira.pdf

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Águas de Oxalá



ÁGUAS DE OXALÁ

Há 38 anos o Babalorixá Raminho de Oxossi realiza a procissão das águas na cidade de Olinda/PE. Tradicionalmente ocorrida no segundo domingo de janeiro, a festa que iniciou com os filhos da casa do Babalorixá (Roça Gêge Oxossi Iboalama – Oxum Opará). Hoje tomou uma proporção gigantesca, assumindo papel fundamental na realização das prévias carnavalescas da cidade. É comum ouvimos a frase - quem conhece Olinda sabe que as prévias de carnaval só começam após as Águas de Oxalá.

O Babalorixá Raminho de Oxossi, 81 anos de vida, quase toda dedicada ao sacerdócio, afirma que se inspirou na festa da lavagem do Bonfim, na Bahia, para realizar as Águas de Oxalá em Recife. “Eu fui pra Bahia, vi as águas e quando cheguei aqui fiz uma aqui”. Ele conta que as Águas é um momento de muito respeito e religiosidade.

As comemorações para Oxalá iniciam com rituais no Candomblé, depois faz sua segunda etapa na frente da igreja do Senhor do Bonfim, em Olinda, onde são lavadas as escadarias e segue em cortejo para terminar com canto aos Orixás no Candomblé.

Devido a reformas na igreja, o ritual da lavagem em 2017 aconteceu na calçada da Igreja da Sé, seguido de louvações nas igrejas do Bom Fim e do Guadalupe.

Sylvio Botelho, um artista e bonequeiro de grande respeito no meio cultural, descreveu o sentimento na sua página do Facebook o sentimento de participar das Águas de Oxalá.

Ir às Águas de Oxalá não é só um sinal de fé e devoção, é a forma que o cidadão tem de apoiar e promover as bases de um estado livre de preconceitos e fundamentado na liberdade religiosa. A prática do respeito ao próximo pode ser alcançado por qualquer pessoa, de qualquer credo e região”. 

Para o artista, que também é um dos organizadores do evento, a procissão é uma forma da população de adeptos de candomblé enfrentar o preconceito, a intolerância e o racismo praticado contra as expressões culturais e religiosas de matriz africana no Brasil, e como tal, as Águas de Oxalá é um espaço de resistência.

Nos últimos anos, as Águas de Oxalá é noticiada nos meios de comunicação oficiais da cidade, onde a Prefeitura demonstra seu apoio a atividade como um marco na história e cultura olindense. Sempre é garantida a interdição de rua, além do apoio da Guarda Civil, para organizar o transito, iluminação de rua, etc. Porém, a continuidade da parceria com o poder público pode estar ameaçada já que Olinda não tem um calendário oficial cultural próprio, o que consideramos uma lacuna no tão bem discutido Plano Municipal de Cultura de Olinda.

A inexistência de um calendário que contemple as festas tradicionais da resistência negra na cidade, não está dissociada da problemática enfrenada por segmentos populares e afrodescendentes de outras cidades brasileiras. Tal realidade refere-se diretamente a falta de uma política pública para a cultura afrobrasileira, uma política estruturada como ação de estado que possa dar conta de reconhecimento histórico, cultural e que se traduza, sobretudo, em recursos financeiros do poder público para manutenção, estrutura e divulgação do calendário cultural afrobrasileiro e que garanta uma ação de salvaguarda dos bens culturais afrobrasileiros para além do carnaval.
Considerando a necessidade de políticas públicas estruturadoras para a área da cultura, a cidade de Olinda é signatária do Plano Nacional de Cultura, um norteador das políticas públicas de cultura para o país. Identificamos aí um desafio para a nova gestão cultural da cidade de Olinda: implementá-lo.
Ao criar o Plano Municipal, a cidade avançou rumo a uma política pública de cultura e buscou alinhar-se aos eixos e princípios do Plano Nacional, porém é necessário trabalhar áreas específicas para dar concretude e eficácia ao Plano.
No campo do patrimônio cultural afrobrasileiro, o Plano Setorial de Cultura Afro Brasileira, elaborado pelo Colegiado do Conselho Nacional de Políticas Culturais, é o documento que orienta as políticas para o segmento. Seu lançamento e adesão pelo município é fundamental para a manutenção de tradições culturais e de marcos históricos como as Águas de Oxalá, os Tambores Silenciosos, Noite do Cabelo Pixaim, Sambadas de Coco, de Maracatu e tantos outros movimentos de tradição cultural negra de Olinda.
 “Os olhos do Brasil e pessoas de várias partes do mundo se voltam para Olinda durante o Carnaval. É uma forma de entrar com o espírito renovado na festa que se avizinha”, Gilberto Sobral – Secretário Executivo de Cultura de Olinda, ao se referir as Águas de Oxalá.




NA TRADIÇÃO

As Águas de Oxalá é um ritual do povo de candomblé que faz uma homenagem à divindade africana Oxalá (Oxalufã), como uma reparação a injustiça sofrida por ele em uma visita a seu filho Xangô. Conta o Itã (história) que certa vez chegando Oxalufã a cidade de Oyó, encontrou perdido o cavalo que havia presenteado a Xangô, que tentou amansar o animal para devolvê-lo. Foi quando chegaram os soldados do Rei a procura do animal perdido. Vendo Oxalufã com o cavalo, pensaram tratar-se de um ladrão.

Maltratado e preso durante um tempo, Oxalufã resolveu usar seus poderes e vingar-se do povo de Oyó. Assim, o reino viveu sete anos de seca e suas mulheres se tornaram estéreis.

Xangô consultou o babalaô da corte e soube que um velho sofria injustiça e prisão, pagando por um crime que não havia cometido. Quando Xangô chegou na prisão, para sua surpresa o velho era Oxalufã.

Xangô ordenou que trouxessem água limpa do rio para banhar o velho e roupas limpas, ordenou que todos os súditos vestissem branco e permanecessem em silencio em homenagem a Oxalufã, carregou o velho nas costas e fez festas em homenagem ao Orixá.
E todos vestidos de branco saudaram Oxalufã.







E PORQUE LAVAR A IGREJA
Ao longo da história da população negra no Brasil, as expressões culturais e religiosas de matriz africana, sofreram repressão e perseguição por parte do Estado brasileiro, o que levou a uma atuação “clandestina” dos adeptos do culto aos Orixás e ao sincretismo religioso. Também foram promovidos diálogos e movimentos de resistência peça população negra, bem como de proteção aos cultos afros, por meio de irmandades religiosas católicas e festas como a lavagem das escadarias da igreja do Senhor do Bonfim, santo católico que foi sincretizado com Oxalá devido a sua relação como protetor do mundo, semelhante a Oxalá – Orixá da criação.

Com as Águas de Oxalá e o conjunto de significados em torno da festa em Olinda, fica fácil entender quando o Babalorixá Raminho de Oxossi fala quee Somos Mais que uma religião.
Axé.




Sobre o plano municipal de cultura de Olinda http://www.olinda.pe.gov.br/pmc/eixos-tematicos/