quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Águas de Oxalá



ÁGUAS DE OXALÁ

Há 38 anos o Babalorixá Raminho de Oxossi realiza a procissão das águas na cidade de Olinda/PE. Tradicionalmente ocorrida no segundo domingo de janeiro, a festa que iniciou com os filhos da casa do Babalorixá (Roça Gêge Oxossi Iboalama – Oxum Opará). Hoje tomou uma proporção gigantesca, assumindo papel fundamental na realização das prévias carnavalescas da cidade. É comum ouvimos a frase - quem conhece Olinda sabe que as prévias de carnaval só começam após as Águas de Oxalá.

O Babalorixá Raminho de Oxossi, 81 anos de vida, quase toda dedicada ao sacerdócio, afirma que se inspirou na festa da lavagem do Bonfim, na Bahia, para realizar as Águas de Oxalá em Recife. “Eu fui pra Bahia, vi as águas e quando cheguei aqui fiz uma aqui”. Ele conta que as Águas é um momento de muito respeito e religiosidade.

As comemorações para Oxalá iniciam com rituais no Candomblé, depois faz sua segunda etapa na frente da igreja do Senhor do Bonfim, em Olinda, onde são lavadas as escadarias e segue em cortejo para terminar com canto aos Orixás no Candomblé.

Devido a reformas na igreja, o ritual da lavagem em 2017 aconteceu na calçada da Igreja da Sé, seguido de louvações nas igrejas do Bom Fim e do Guadalupe.

Sylvio Botelho, um artista e bonequeiro de grande respeito no meio cultural, descreveu o sentimento na sua página do Facebook o sentimento de participar das Águas de Oxalá.

Ir às Águas de Oxalá não é só um sinal de fé e devoção, é a forma que o cidadão tem de apoiar e promover as bases de um estado livre de preconceitos e fundamentado na liberdade religiosa. A prática do respeito ao próximo pode ser alcançado por qualquer pessoa, de qualquer credo e região”. 

Para o artista, que também é um dos organizadores do evento, a procissão é uma forma da população de adeptos de candomblé enfrentar o preconceito, a intolerância e o racismo praticado contra as expressões culturais e religiosas de matriz africana no Brasil, e como tal, as Águas de Oxalá é um espaço de resistência.

Nos últimos anos, as Águas de Oxalá é noticiada nos meios de comunicação oficiais da cidade, onde a Prefeitura demonstra seu apoio a atividade como um marco na história e cultura olindense. Sempre é garantida a interdição de rua, além do apoio da Guarda Civil, para organizar o transito, iluminação de rua, etc. Porém, a continuidade da parceria com o poder público pode estar ameaçada já que Olinda não tem um calendário oficial cultural próprio, o que consideramos uma lacuna no tão bem discutido Plano Municipal de Cultura de Olinda.

A inexistência de um calendário que contemple as festas tradicionais da resistência negra na cidade, não está dissociada da problemática enfrenada por segmentos populares e afrodescendentes de outras cidades brasileiras. Tal realidade refere-se diretamente a falta de uma política pública para a cultura afrobrasileira, uma política estruturada como ação de estado que possa dar conta de reconhecimento histórico, cultural e que se traduza, sobretudo, em recursos financeiros do poder público para manutenção, estrutura e divulgação do calendário cultural afrobrasileiro e que garanta uma ação de salvaguarda dos bens culturais afrobrasileiros para além do carnaval.
Considerando a necessidade de políticas públicas estruturadoras para a área da cultura, a cidade de Olinda é signatária do Plano Nacional de Cultura, um norteador das políticas públicas de cultura para o país. Identificamos aí um desafio para a nova gestão cultural da cidade de Olinda: implementá-lo.
Ao criar o Plano Municipal, a cidade avançou rumo a uma política pública de cultura e buscou alinhar-se aos eixos e princípios do Plano Nacional, porém é necessário trabalhar áreas específicas para dar concretude e eficácia ao Plano.
No campo do patrimônio cultural afrobrasileiro, o Plano Setorial de Cultura Afro Brasileira, elaborado pelo Colegiado do Conselho Nacional de Políticas Culturais, é o documento que orienta as políticas para o segmento. Seu lançamento e adesão pelo município é fundamental para a manutenção de tradições culturais e de marcos históricos como as Águas de Oxalá, os Tambores Silenciosos, Noite do Cabelo Pixaim, Sambadas de Coco, de Maracatu e tantos outros movimentos de tradição cultural negra de Olinda.
 “Os olhos do Brasil e pessoas de várias partes do mundo se voltam para Olinda durante o Carnaval. É uma forma de entrar com o espírito renovado na festa que se avizinha”, Gilberto Sobral – Secretário Executivo de Cultura de Olinda, ao se referir as Águas de Oxalá.




NA TRADIÇÃO

As Águas de Oxalá é um ritual do povo de candomblé que faz uma homenagem à divindade africana Oxalá (Oxalufã), como uma reparação a injustiça sofrida por ele em uma visita a seu filho Xangô. Conta o Itã (história) que certa vez chegando Oxalufã a cidade de Oyó, encontrou perdido o cavalo que havia presenteado a Xangô, que tentou amansar o animal para devolvê-lo. Foi quando chegaram os soldados do Rei a procura do animal perdido. Vendo Oxalufã com o cavalo, pensaram tratar-se de um ladrão.

Maltratado e preso durante um tempo, Oxalufã resolveu usar seus poderes e vingar-se do povo de Oyó. Assim, o reino viveu sete anos de seca e suas mulheres se tornaram estéreis.

Xangô consultou o babalaô da corte e soube que um velho sofria injustiça e prisão, pagando por um crime que não havia cometido. Quando Xangô chegou na prisão, para sua surpresa o velho era Oxalufã.

Xangô ordenou que trouxessem água limpa do rio para banhar o velho e roupas limpas, ordenou que todos os súditos vestissem branco e permanecessem em silencio em homenagem a Oxalufã, carregou o velho nas costas e fez festas em homenagem ao Orixá.
E todos vestidos de branco saudaram Oxalufã.







E PORQUE LAVAR A IGREJA
Ao longo da história da população negra no Brasil, as expressões culturais e religiosas de matriz africana, sofreram repressão e perseguição por parte do Estado brasileiro, o que levou a uma atuação “clandestina” dos adeptos do culto aos Orixás e ao sincretismo religioso. Também foram promovidos diálogos e movimentos de resistência peça população negra, bem como de proteção aos cultos afros, por meio de irmandades religiosas católicas e festas como a lavagem das escadarias da igreja do Senhor do Bonfim, santo católico que foi sincretizado com Oxalá devido a sua relação como protetor do mundo, semelhante a Oxalá – Orixá da criação.

Com as Águas de Oxalá e o conjunto de significados em torno da festa em Olinda, fica fácil entender quando o Babalorixá Raminho de Oxossi fala quee Somos Mais que uma religião.
Axé.




Sobre o plano municipal de cultura de Olinda http://www.olinda.pe.gov.br/pmc/eixos-tematicos/


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