ÁGUAS DE OXALÁ
Há 38 anos o Babalorixá Raminho de Oxossi realiza a
procissão das águas na cidade de Olinda/PE. Tradicionalmente ocorrida no
segundo domingo de janeiro, a festa que iniciou com os filhos da casa do
Babalorixá (Roça Gêge Oxossi Iboalama – Oxum Opará). Hoje tomou uma proporção
gigantesca, assumindo papel fundamental na realização das prévias carnavalescas
da cidade. É comum ouvimos a frase - quem
conhece Olinda sabe que as prévias de carnaval só começam após as Águas de
Oxalá.
O Babalorixá Raminho de
Oxossi, 81 anos de vida, quase toda dedicada ao sacerdócio, afirma que se
inspirou na festa da lavagem do Bonfim, na Bahia, para realizar as Águas de
Oxalá em Recife. “Eu fui pra Bahia, vi as águas e quando cheguei aqui fiz uma
aqui”. Ele conta que as Águas é um momento de muito respeito e religiosidade.
As comemorações para Oxalá
iniciam com rituais no Candomblé, depois faz sua segunda etapa na frente da
igreja do Senhor do Bonfim, em Olinda, onde são lavadas as escadarias e segue
em cortejo para terminar com canto aos Orixás no Candomblé.
Devido a reformas na igreja,
o ritual da lavagem em 2017 aconteceu na calçada da Igreja da Sé, seguido de
louvações nas igrejas do Bom Fim e do Guadalupe.
Sylvio Botelho, um artista e
bonequeiro de grande respeito no meio cultural, descreveu o sentimento na sua
página do Facebook o sentimento de participar das Águas de Oxalá.
“Ir às Águas de Oxalá não é só um sinal
de fé e devoção, é a forma que o cidadão tem de apoiar e promover as bases de
um estado livre de preconceitos e fundamentado na liberdade religiosa. A prática
do respeito ao próximo pode ser alcançado por qualquer pessoa, de qualquer
credo e região”.
Para o artista, que também é
um dos organizadores do evento, a procissão é uma forma da população de adeptos
de candomblé enfrentar o preconceito, a intolerância e o racismo praticado
contra as expressões culturais e religiosas de matriz africana no Brasil, e
como tal, as Águas de Oxalá é um espaço de resistência.
Nos últimos anos, as Águas de
Oxalá é noticiada nos meios de comunicação oficiais da cidade, onde a Prefeitura
demonstra seu apoio a atividade como um marco na história e cultura olindense.
Sempre é garantida a interdição de rua, além do apoio da Guarda Civil, para organizar
o transito, iluminação de rua, etc. Porém, a continuidade da parceria com o
poder público pode estar ameaçada já que Olinda não tem um calendário oficial
cultural próprio, o que consideramos uma lacuna no tão bem discutido Plano Municipal de Cultura de Olinda.
A inexistência de um
calendário que contemple as festas tradicionais da resistência negra na cidade,
não está dissociada da problemática enfrenada por segmentos populares e afrodescendentes
de outras cidades brasileiras. Tal realidade refere-se diretamente a falta de uma política pública para a
cultura afrobrasileira, uma política estruturada como ação de estado que
possa dar conta de reconhecimento histórico, cultural e que se traduza, sobretudo,
em recursos financeiros do poder público para manutenção, estrutura e
divulgação do calendário cultural afrobrasileiro e que garanta uma ação de
salvaguarda dos bens culturais afrobrasileiros para além do carnaval.
Considerando
a necessidade de políticas públicas estruturadoras para a área da cultura, a
cidade de Olinda é signatária do Plano
Nacional de Cultura, um norteador das políticas públicas de cultura para o
país. Identificamos aí um desafio para a nova gestão cultural da cidade de
Olinda: implementá-lo.
Ao
criar o Plano Municipal, a cidade avançou rumo a uma política pública de
cultura e buscou alinhar-se aos eixos e princípios do Plano Nacional, porém é
necessário trabalhar áreas específicas para dar concretude e eficácia ao Plano.
No
campo do patrimônio cultural afrobrasileiro, o Plano Setorial de Cultura Afro Brasileira, elaborado pelo
Colegiado do Conselho Nacional de Políticas Culturais, é o documento que orienta
as políticas para o segmento. Seu lançamento e adesão pelo município é
fundamental para a manutenção de tradições culturais e de marcos históricos
como as Águas de Oxalá, os Tambores Silenciosos, Noite do Cabelo Pixaim,
Sambadas de Coco, de Maracatu e tantos outros movimentos de tradição cultural
negra de Olinda.
“Os olhos do Brasil e pessoas de várias partes
do mundo se voltam para Olinda durante o Carnaval. É uma forma de entrar com o
espírito renovado na festa que se avizinha”, Gilberto Sobral – Secretário
Executivo de Cultura de Olinda, ao se referir as Águas de Oxalá.
NA
TRADIÇÃO
As Águas de Oxalá é um
ritual do povo de candomblé que faz uma homenagem à divindade africana Oxalá
(Oxalufã), como uma reparação a injustiça sofrida por ele em uma visita a seu
filho Xangô. Conta o Itã (história) que certa vez chegando Oxalufã a cidade de
Oyó, encontrou perdido o cavalo que havia presenteado a Xangô, que tentou
amansar o animal para devolvê-lo. Foi quando chegaram os soldados do Rei a
procura do animal perdido. Vendo Oxalufã com o cavalo, pensaram tratar-se de um
ladrão.
Maltratado e preso durante
um tempo, Oxalufã resolveu usar seus poderes e vingar-se do povo de Oyó. Assim,
o reino viveu sete anos de seca e suas mulheres se tornaram estéreis.
Xangô consultou o babalaô da
corte e soube que um velho sofria injustiça e prisão, pagando por um crime que
não havia cometido. Quando Xangô chegou na prisão, para sua surpresa o velho
era Oxalufã.
Xangô ordenou que trouxessem
água limpa do rio para banhar o velho e roupas limpas, ordenou que todos os
súditos vestissem branco e permanecessem em silencio em homenagem a Oxalufã,
carregou o velho nas costas e fez festas em homenagem ao Orixá.
E todos vestidos de branco
saudaram Oxalufã.
E
PORQUE LAVAR A IGREJA
Ao longo da história da
população negra no Brasil, as expressões culturais e religiosas de matriz
africana, sofreram repressão e perseguição por parte do Estado brasileiro, o
que levou a uma atuação “clandestina” dos adeptos do culto aos Orixás e ao
sincretismo religioso. Também foram promovidos diálogos e movimentos de resistência
peça população negra, bem como de proteção aos cultos afros, por meio de
irmandades religiosas católicas e festas como a lavagem das escadarias da
igreja do Senhor do Bonfim, santo
católico que foi sincretizado com Oxalá devido a sua relação como protetor do
mundo, semelhante a Oxalá – Orixá da criação.
Com as Águas de Oxalá e o conjunto de significados em torno da festa em Olinda, fica fácil entender quando o Babalorixá Raminho de Oxossi fala quee Somos Mais que uma religião.
Axé.
Sobre o plano municipal de cultura de Olinda http://www.olinda.pe.gov.br/pmc/eixos-tematicos/
Sobre o Plano Setorial de Cultura Afro Brasileira http://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/2014/04/Caderno-de-Di%C3%A1logo-Plano-Setorial-para-a-Cultura-Afro-brasileira.pdf
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